Deu na capa do Meio & Mensagem, em maio de 2014: “Agência de relações públicas ainda é pouco estratégica”. Entre diversos recortes da pesquisa realizada pela primeira vez no Brasil pelo Grupo Consultores – muitos dos quais deixam o segmento melhor na foto –, este foi escolhido como destaque pelo veículo.
O dado pinçado revela uma realidade deste mercado, no Brasil. Historicamente, a disciplina de relações públicas se restringe aqui a um par de serviços, principalmente o de assessoria de imprensa, que gera percepção de ser tático, por mais relevante que seja. Em contraponto, as demandas de assuntos públicos e a prevenção e gestão de crises encontram abrigo na agenda estratégica da alta gestão das empresas, superando neste aspecto todas as demais agências.
Mas o papel central das agências de relações públicas ainda está para ser assumido, porque um mundo mais complexo, fragmentado, veloz e horizontal conspira a favor desta disciplina.
A voz dos indivíduos em seus vários papéis – ativistas, empregados, consumidores, comunidades – ganhou alcance e amplitude, afirmando-os como cidadãos mais aptos a interagir criticamente com as instituições relevantes – entre elas, as marcas.
Quando todas as vozes têm poder, elas falam e querem ser ouvidas, de preferência em tempo real. Ao opinar, criticar, sugerir, as pessoas determinam o valor de uma organização. Mais do que comprar, elas desejam se relacionar. Por isto, forma, conteúdo e o jeito de falar ficaram diferentes. As mensagens sedutoras e unidirecionais emitidas por poucos canais dão lugar ao diálogo próximo e direto com cada um, em múltiplos pontos de contato.
Criar vínculos se tornou a chave do negócio. As marcas se constroem não somente pelos benefícios tangíveis que oferecem, mas também por inspirarem as pessoas com a sua essência – do ambiente interno ao externo – por meio das causas e conteúdos que compartilham. As conversas se estabelecem pela percepção da atitude da marca e não pelo que ela fala de si mesma. O comportamento antecede a comunicação.
Todo este contexto está derretendo as paredes que separam as disciplinas, as ferramentas e os canais de comunicação. Como dissociar a estratégia e os públicos da área de marketing, da estratégia e dos públicos da área de assuntos corporativos? Como isolar publicidade, promoção, assessoria de imprensa, comunidades digitais e mais o que for, se são os processos integrados e contínuos de engajamento multicanal que hoje funcionam de fato? A inércia ainda preserva estes casulos nas empresas e nas agências, mas sua extinção é questão de tempo.
Pela mesma força inercial, agências de relações públicas, em sua maioria, estão ainda estruturadas para fornecer os serviços que o mercado as condenou a prover, o que também ocorre com as agências de publicidade, promoção, digital e demais. No novo cenário, agências de qualquer tipologia tendem a se tornar simplesmente agências de comunicação. O que as diferenciará será a sua cultura de origem, seu jeito de ver e de pensar e sua forma de se remunerar.
Nesta corrida, a cultura de relações públicas tem vantagem competitiva por sua adequação a este mundo renovado pois seu habitat natural é a complexidade, os relacionamentos multistakeholder estão na sua rotina, compartilhar valor é a base da sua estratégia e o diálogo constitui-se como sua premissa.
O modelo de negócio das agências também contribui. Com a remuneração baseada em horas profissionais alocadas, não é afetado pelo inevitável encolhimento das verbas para mídia de massa. Estão livres para balancear as verbas dos clientes de acordo com suas especificidades e necessidades.
Para tirar proveito desta janela de oportunidade de se tornar o parceiro mais estratégico das empresas na construção e proteção de suas marcas, as agências de relações públicas não podem simplesmente deitar-se no berço esplêndido da sua adequação vocacional e comercial à nova realidade. Deverão adquirir e integrar novos conhecimentos e competências, incorporando conceitos do branding, adotando regularmente pesquisas, dando forma aos conteúdos, conhecendo e dominando os múltiplos canais e principalmente inaugurando e expandindo seu poder criativo, pois nada que envolve os humanos passa ao largo da inventividade e das emoções.
Estamos a caminho, chegando lá.
Yacoff Sarkovas
Publicado no “Meio & Mensagem”, em junho de 2014.