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2017: As Histórias Que o Brasil Poderia Contar ao Mundo

Sou cético em relação a “construir a imagem” de uma marca. Acredito, sim, em “expressar a essência” de uma marca. A diferença está no grau de verdade e concretude dos atributos pelos quais será reconhecida.

A partir desta premissa, para que o Brasil transcenda o samba, o futebol e a corrupção, e seja melhor percebido e valorizado, precisamos de desenvolvimento socioeconômico e de evolução ética e política. Em última instância, isso depende de uma melhoria dramática na nossa educação.

Ainda hoje, 27% dos brasileiros são analfabetos funcionais. Estudos demostram que, a cada três anos a mais de escolaridade média, o país pode crescer mais de 1% de seu Produto Interno Bruto e que cada ano a mais de escolaridade pode fazer um trabalhador ganhar 10% mais. Na saúde, a alfabetização das mães pode reduzir pela metade o risco de crianças morrerem nos primeiros anos de vida. Na segurança, o aumento de 1% nas matrículas de jovens nos municípios mais violentos do Brasil ajudou a reduzir em 2% a taxa de homicídios.(*)

Estamos entre as maiores economias e mercados consumidores do mundo. Não temos conflitos internos, salvo o atual embate infantil entre “coxinhas” e “mortadelas”, nem em nossas fronteiras, salvo a deliciosa rixa futebolística com nossos queridos hermanos. Falamos a mesma língua do Oiapoque ao Chuí. Não temos vulcões, furacões nem terremotos. Possuímos uma rica diversidade étnica e um patrimônio natural inigualável.

Nossa maldição é a herança escravagista e patrimonialista. A primeira nos posiciona como uma das nações com maior grau de desigualdade social do mundo. A segunda torna nosso Estado historicamente fonte de enriquecimento ilícito de uma parte da elite política e empresarial, e não um gerador de benefício público e equidade social.

No recorte do estudo global “Edelman Trust Barometer”, que analisa o grau de confiança nas empresas de acordo com seus países de origem, a marca Brasil, em 2015, ocupava a 13ª posição entre 17 países pesquisados, com um nível de confiança de 38 numa escala de zero a 100, à frente de China, Rússia, Índia e México; no ano seguinte, 2016, perdeu duas posições, mas ainda superava a Índia e o México. Em 2017, o índice brasileiro caiu para 32, empatando com o indiano e ficando à frente somente do mexicano. Não será surpreendente chegarmos em último na edição 2018 do estudo.

É interessante observar a posição da Coreia do Sul, que há anos se desgarrou da rabeira e tem se aproximado do bloco intermediário, ao lado de países como Itália, Espanha e Estados Unidos. A percepção de valor da comunidade global em relação a marcas como Samsung, Hyundai e LG certamente contribuiu para isso. Nossa alma provinciana e vocação endógena tornam tímida e escassa a presença global de marcas brasileiras. Isoladas, Havaianas e Embraer não fazem verão.

Considerando todo esse contexto, entendo que o Brasil teria hoje duas boas histórias para contar.

A primeira seria narrar em tempo real a efetiva modernização da sociedade brasileira. Isso demanda necessariamente mudanças radicais nas relações público-privadas do País. Para isso, precisamos evoluir da indignação para a mobilização em torno do ajuste de legislações.

O Instituto Ethos vem realizando, há anos, uma radiografia ampla da questão. Agora, aspira engajar a sociedade no “Plano Nacional de Integridade, Transparência e Combate à Corrupção”, estudo feito com base na metodologia da Transparência Internacional que possibilita analisar as condições dos países de forma sistêmica. Num recente artigo publicado pela Veja, intitulado “Aqui, uma proposta”, Caio Magri, presidente do Ethos, e Jorge Hage, ex-ministro da Controladoria-Geral da União e coordenador do Plano, esclarecem que a corrupção não é uma questão cultural à qual estamos condenados, e sim regulatória.

A evolução da legislação brasileira, iniciada na Constituição de 1988, já nos permite, hoje, enxergar a dimensão do problema e punir alguns envolvidos. Mas há muito ainda a ser feito: reforma política efetiva; alterações das normas de foro privilegiado e de escolha de membros de Tribunais de Contas; requisitos de probidade para a nomeação de ministros de Estado e redução dos cargos de livre escolha; alterações no processo penal e tipificação dos crimes de caixa dois e de enriquecimento ilícito; ampliação da transparência em todos os Poderes; revisão das normas de licitação; regulamentação do lobby; ampliação dos estímulos à integridade empresarial; e melhoria da regulação e do ambiente de negócios.

Se a sociedade brasileira construísse e implementasse uma agenda assim, poderia compartilhar uma incrível saga de elevação da cidadania com a comunidade global.

A segunda história diz respeito ao nosso patrimônio natural e à opção por sua conservação e manejo sustentável, de alto potencial socioeconômico e ambiental.

Os 8,5 milhões km² do nosso território, quase a metade da América do Sul, abrigam seis biomas tão únicos quanto ricos em diversidade.

A Amazônia, apesar de submetida a devastação ininterrupta, ainda representa mais da metade das florestas tropicais remanescentes e contém a maior biodiversidade em floresta tropical da Terra. O Cerrado também é a maior savana em biodiversidade e compreende grande parte do território brasileiro. A Caatinga é o único bioma exclusivamente brasileiro e impede a região de virar deserto; grande parte de seu patrimônio biológico não pode ser encontrado em nenhum outro lugar. Na Mata Atlântica, estima-se que milhares de espécies vegetais sejam endêmicas. O Pantanal, considerado Patrimônio Natural e Reserva da Biosfera pela Unesco, é a maior planície de inundação do mundo, reunindo uma das faunas mais ricas do planeta, com centenas de espécies de borboletas, aves, mamíferos, peixes e répteis. E o Pampa, um tapete verde de paisagem plana e homogênea, é considerado fundamental para controlar erosões e preservar a biodiversidade.

Se não bastasse, o Brasil também possui uma costa marinha de 3,5 milhões km², que inclui ecossistemas como recifes de corais, dunas, manguezais, lagoas, estuários e pântanos.

Hoje, temos consciência de que esse patrimônio natural tem muito mais valor conservado do que destruído. Interromper radicalmente sua devastação e ampliar e diversificar a exploração sustentável de seus ativos biológicos, produtos e turismo nos posicionaria na vanguarda do equilíbrio ambiental do planeta.

Não incluí, entre as opções de narrativas, a da arte brasileira, fruto de outra grande riqueza: nossa diversidade étnico-cultural. É fato que a música popular brasileira é reconhecida e valorizada em boa parte do planeta – a bossa-nova é o melhor exemplo. Temos ainda uma produção robusta em artes visuais, literatura, teatro, dança e cinema que transita pelos circuitos contemporâneos internacionais. Para não falar das novelas da Globo que, há décadas, habitam os lares de quase uma centena de países.

É fundamental que esse nosso patrimônio simbólico continue se expandindo e expressando, interna e externamente, nossa identidade. Mas, por força das circunstâncias históricas, entendo que o que mundo mais gostaria de ouvir, e o que o Brasil mais deveria esperar de si mesmo, é a superação da desigualdade social e a conservação produtiva dos ativos naturais.

* Dados copilados pelo movimento Todos Pela Educação
Yacoff Sarkovas
Texto encaminhado para os anais do “Seminário Internacional Reputação Brasil – Caminhos para o Amanhã”, ocorrido em 25 de outubro de 2017, no Museu do Amanhã, RJ.