No princípio, era o mecenato. Muito antes do diplomata romano Caio Cílnio Mecenas (60 AC/8 DC) eternizar seu nome sustentando Virgílio e Horácio, estadistas e sacerdotes mantinham entre seus serviçais escultores, pintores, poetas e dramaturgos, possibilitando que alguns indivíduos já sobrevivessem de sua criação.
De lá para cá, o financiamento à cultura sofreu grandes mudanças. No mundo contemporâneo, os recursos provêm de fontes distintas e complementares: o investimento público, o investimento social privado, o patrocínio empresarial e o mercado consumidor. A natureza e a especificidade de uma ação cultural determinam sua potencialidade para atrair recursos em cada uma dessas fontes.
É importante que não só os gestores, mas também os criadores culturais compreendam as motivações dos provedores de financiamento. Pelo domínio de suas lógicas, pode-se conhecer melhor o próprio universo profissional, avaliar criticamente a atuação do poder público e perceber as distintas participações da iniciativa privada.
No Brasil, a falta de compreensão e reflexão sobre a natureza e as motivações destas fontes levou boa parte do meio cultural a cometer equívocos estratégicos, como o de abrir mão de fundos públicos de financiamento e tornar-se cúmplice de um sistema de incentivo fiscal que, permitindo dedução integral sem contrapartida, transfere dinheiro e responsabilidade públicos para o interesse privado.
Em países como França, Alemanha, Suécia, Japão e Venezuela, por exemplo, políticas culturais orientam sistemas de financiamento público às múltiplas áreas artísticas, em seus diversos estágios – formação, criação, produção, fruição, intercâmbio, preservação.
A responsabilidade formal do Estado brasileiro pela cultura se estabelece na década de 30, sob o governo Vargas, e se reforça na Constituição de 1988, que contém um capítulo específico sobre suas obrigações, como a defesa do patrimônio, a difusão e o acesso público e o fomento da produção.
Apesar das obrigatoriedades constitucionais e da existência de um ministério federal e de inúmeras secretarias estaduais e municipais, no Brasil, o desempenho do estado no campo cultural é medíocre, salvo exceções. Além de reduzidos, os orçamentos das instituições públicas são dragados por sua própria estrutura, anacrônica e ineficiente, pouco ou nada restando para o investimento direto.
Mais grave que a falta de recursos, é a falta de visão estratégica do papel do Estado na cultura de uma sociedade inserida no mundo globalizado. Não há diretrizes, nem planos de ação cultural para os diversos segmentos artísticos, populacionais, geográficos etc. Não há estratégias públicas para formação, pesquisa, criação, produção, circulação, fruição, intercâmbio, preservação.
Ao transferir para as empresas capital e responsabilidades do estado, por meio das leis de incentivo, o Ministério da Cultura comete múltiplos equívocos: investe dinheiro público sem a efetiva garantia de atender o interesse público; não forma reais investidores e patrocinadores privados, pois ninguém aprende nada usando a carteira alheia; deforma o mercado de patrocínio, inoculando na cultura empresarial a isenção sem contrapartida.
As empresas têm motivações próprias para investir em ações de interesse público, independentemente de dedução fiscal. Aplicando recursos de comunicação, empresas patrocinam para ampliar sua credibilidade, estimular a identificação e melhorar o relacionamento com seus públicos de interesse, agregar atributos e valorizar suas marcas, e demonstrar sua participação social.
Para ter acesso, além do patrocínio, ao investimento social privado, o setor artístico brasileiro terá que convencer os cidadãos que a inclusão cultural é, em si, transformadora. Que literatura, música e cinema são tão indispensáveis à sociedade quanto a alimentação, a saúde e a segurança, pois estimulam os sentidos, formam a identidade, constroem a cidadania. Acomodados em oferecer dedução de imposto, os produtores culturais perderam espaço para as organizações sociais e ambientais que, sem dispor de leis de incentivo, profissionalizaram-se para buscar estes fundos.
A qualificação e o aumento da produção cultural dependem do estabelecimento de meios reais de sustentabilidade econômica, baseados em fontes diversificadas de financiamento. Para tanto, é fundamental exigir que o Estado assuma sua responsabilidade de formular e financiar políticas culturais públicas; esclarecer os investidores privados que a inclusão cultural é que promove a inclusão social; e compreender que a relação entre cultura e comunicação empresarial não depende de incentivo fiscal.