O financiamento à cultura provêm de quatro fontes distintas e complementares: o Estado, o investimento social privado, o patrocínio empresarial e o mercado consumidor. No Brasil, a falta de compreensão sobre a natureza e as motivações dessas fontes levou boa parte do meio cultural a cometer equívocos estratégicos, como abrir mão de fundos públicos de financiamento e se tornar cúmplice de um sistema de incentivo fiscal que transfere dinheiro e responsabilidade públicos para o interesse privado.
Por ser um gênero de primeira necessidade para os humanos e fator condicionante da transformação individual e coletiva, a criação intelectual e artística é questão de interesse público, o que exige e justifica investimentos públicos. No Brasil, os ínfimos orçamentos à cultura do Estado são dragados por sua própria estrutura, anacrônica e ineficiente, pouco ou nada restando para o investimento direto.
Mais grave do que a falta de recursos é a falta de visão estratégica do papel do Estado na cultura de uma sociedade inserida no mundo globalizado. Não há diretrizes nem planos de ação cultural para os diversos segmentos artísticos, populacionais, geográficos etc. Não há estratégias públicas para formação, pesquisa, criação, produção, circulação, fruição, intercâmbio, preservação.
O último governo atingiu o ápice dessa omissão. Sem dispor de projetos para o setor, o Ministério da Cultura de FHC instaurou um sistema de financiamento baseado na dedução integral no imposto, que subverteu o princípio elementar do incentivo fiscal, que é o de usar recursos públicos para estimular o investimento privado. Transformou as leis de incentivo em repassadoras perdulárias do dinheiro público, condenando o meio cultural a peregrinar pelas empresas em busca de recursos do erário que deveriam estar disponíveis em fundos de financiamento direto.
Ao transferir para as empresas capital e responsabilidades do Estado, o Ministério da Cultura comete múltiplos equívocos: investe sem a efetiva garantia de atender o interesse público; não forma reais investidores e patrocinadores privados, pois ninguém aprende nada usando a carteira alheia; deforma o mercado de patrocínio, inoculando na cultura empresarial a isenção sem contrapartida. As empresas têm motivações próprias para investir em ações de interesse público, independentemente de dedução fiscal.
Um estudo do Ipea revelou que 59% das empresas brasileiras estão, de alguma forma, desenvolvendo ações em benefício da comunidade, aplicando cerca de R$ 4,7 bilhões, em 2000. Na ponta desse movimento, o mecenato e a filantropia cedem lugar ao conceito de investimento social privado que incorpora ferramentas típicas do setor empresarial, como o planejamento e o monitoramento, para buscar soluções sistêmicas e estruturais.
Nos EUA, os institutos e fundações empresariais estendem suas atividades ao campo cultural, dispondo fundos para os mais variados projetos e segmentos artísticos. No Brasil, um dramático quadro de desigualdade induz a maioria do investimento privado para ações relacionadas à pobreza e à exclusão social. O estudo do Ipea revela que 76% das empresas declaram realizar atividades sociais por razões humanitárias, sendo que 62% se voltam ao segmento infantil. Se não justifica, esse cenário ao menos explica porque aqui esses recursos só beneficiam a arte como meio ocupacional e/ou educacional de populações carentes.
Para ter acesso ao investimento social privado, o setor artístico brasileiro terá que convencer indivíduos, empresas e instituições de que a inclusão cultural é, em si, transformadora. De que as artes estimulam os sentidos, formam a identidade, constróem a cidadania. Acomodados em oferecer dedução de imposto, os produtores culturais perderam espaço para as organizações sociais e ambientais, que, sem dispor de leis de incentivo, profissionalizaram-se para buscar esses fundos.
Ainda fora do alcance da ação social privada, o campo cultural é irrigado por recursos de outra natureza. Desde a década de 80, fatores de mercado induzem as empresas a associarem suas marcas a ações de interesse público, como estratégia para atingir objetivos institucionais, promocionais e de relacionamento. Isso resulta na aplicação de verbas de marketing e comunicação empresarial em projetos comunitários, ambientais, esportivos e culturais. Em 2001, os patrocínios nessas áreas movimentaram, no mundo, US$ 23,6 bilhões. No Brasil, o patrocínio à cultura floresce antes do incentivo fiscal, inaugurado pela Lei Sarney, em 1986. As distorções produzidas pela dedução integral do patrocínio no imposto a pagar, adotada na gestão Weffort no Ministério da Cultura, turvam a percepção de que um número expressivo de ações culturais, que atendem à identidade e ao interesse do público-alvo de marcas de empresas, é realizado, de fato, com dinheiro empresarial.
A obtenção do patrocínio exige conhecimento das estratégias e objetivos de comunicação e a interação com as áreas de marketing corporativo e de produto das empresas. A compreensão do universo da transação comercial, mesmo que básica, ajuda o gestor cultural a considerar e lidar com seu próprio público, financiador direto da sua atividade. Adquirindo ingressos para filmes, shows, espetáculos e exposições, obras de arte, livros, revistas, jornais, cds, vídeos, dvds, assinaturas de tevês a cabo, o público é agente econômico, tanto da indústria cultural como da mais singular e alternativa expressão artística.
Reconhecendo que a cultura depende – em maior ou menor escala – do seu mercado de consumo, o gestor cultural acabará por se render ao domínio da ciência que rege as transações: o marketing. Entender e atender o público não é só tarefa para fabricantes de sabonetes e automóveis, mas também para administradores de museus, orquestras e companhias de dança. Isso não significa pasteurizar a criação artística ao gosto do freguês, mas saber onde disponibiliza-la, por quanto apreçá-la, como promovê-la.
Agora que diversos segmentos artísticos se mobilizam para discutir políticas culturais, que pequenos grupos tramam para manter privilégios e que o Ministério da Cultura de Lula abre discussão sobre investimento público, é hora de buscar formas reais de sustentabilidade da cultura brasileira, diversificando suas fontes de financiamento. Para tanto, é fundamental exigir que o Estado assuma sua responsabilidade de formular e financiar políticas culturais públicas; esclarecer os investidores privados de que a inclusão cultural é que promove a inclusão social; compreender que a relação da cultura com a comunicação empresarial não depende de incentivo fiscal; e considerar que o acesso público é premissa para a produção cultural.